segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Lygia e suas Meninas



Ana Clara fazendo amor. Lião fazendo comício. Mãezinha fazendo análise. As freirinhas fazendo doce, sinto daqui o cheiro quente de doce de abóbora. Faço filosofia. Ser ou estar. Não, não é ser ou não ser, essa já existe, não confundir com a minha que acabei de inventar agora. Originalíssima. [...] Para que eu seja assim inteira (essencial e essência) é preciso que não esteja em outro lugar senão em mim.



A capacidade de nos colocar frente-a-frente com as personagens vai muito além das descrições minuciosas de Lygia. Ela nos faz ver além das aparências, como se estivéssemos imersos nos seres narrados, nos proporcionando adentrar às mentes e aos corações de Lorena, Ana Clara e Lia, compartilhando seus mais variados pensamentos e emoções.

A autora nos mostra todo o Mal e o Bem que o ser humano é capaz de promover, expondo todas as fraquezas, angústias, vícios, fugas e DOR que não gostaríamos de enxergar ou sentir, mas que são e existem em nosso íntimo, ainda que tentemos camuflá-los.

Somos obrigadas a VER o que somos e sentimos, sem máscaras para nos proteger, assim desnudas as personagens nos apresentam seus traumas infantis, como o estupro de Ana Turva, a perda do irmão de Lorena (que não fica claro ser uma fantasia e/ou realidade), e as vivências com a sexualidade, como a experiência homossexual de Lia, o desejo de perder a virgindade de Lorena com um homem casado, a promiscuidade de Ana Clara. Por fim, o sentimento de carência que une as três jovens, tão diferentes, que vivem em um pensionato de freiras, se revela comum “Angústia”.

A cada parágrafo Lygia desafia a nossa capacidade de OLHAR o outro através dos seus pensamentos, pois nos expõe a alma das personagens esperando que o leitor identifique-as pelo conteúdo mais profundo dos seres, as idéias.


Aponta os métodos que usamos para fugir da nossa realidade e do sofrimento, seja através do vício (drogas, alcoolismo) e/ou nos fechando em nosso mundo particular, como Ana Turva e o uso constante de cocaína, e Lorena que se isola no seu quarto, espaço onde exerce o controle e mantêm-na na zona de conforto.

“As meninas” pode num primeiro instante parecer um livro doce e meigo do universo de garotas, mas se revela numa densa carga emocional de mulheres em formação.


* Reflexões sobre nossa reunião, do Clube do Livro, em torno do livro “As Meninas”, de Lygia Fagundes Telles.

Postado por Irla