Dando sequência ao livro Clarice na cabeceira, apresentamos:
CONTO: A Fuga
DO LIVRO: A BELA E A FERA
APRESENTAÇÃO: Artur Xexéo
Artur Xexéo é jornalista. Colunista e editor do "Segundo Caderno" do veículo O Globo, e introduz seu conto selecionado assim:
QUANDO ESCREVEU “A FUGA”, Clarice tinha seus vinte e poucos anos e estava publicando seus primeiros contos. Ainda não tinha lançado Perto do coração selvagem ainda não era uma escritora famosa. Ainda não era a Clarice que viria a ser. É nesses contos, e especialmente em “A fuga”, que aparece a mulher que seria seu personagem constante por muito tempo e que revela as inquietações de Clarice àquela época. É uma mulher que tem medo, que está decidida a tomar um novo rumo, mas que ainda não sabe bem qual é. Ela quer se transformar, mas não sabe em quê. É uma mulher cansada que toma uma resolução. No caso do conto, a resolução não é das mais sofisticadas: ela sai de casa e não pretende voltar. Aproveita um dia de chuva com o que acredita ser a liberdade. É uma mulher confusa, pronta para novas descobertas. Ela acredita que o mundo vai mudar logo após virar uma esquina. Vivendo um casamento sem graça há 12 anos, ela agora sente-se independente só porque tomou a decisão de sair de casa. A certa altura, ela mesma se define: “Eu era uma mulher casada e agora sou uma mulher”. Vinte e pouco parágrafos depois de anunciar sua suposta liberdade, “a mulher com medo” de Clarice retorna à casa. Deixa de ser uma mulher. Volta a ser uma mulher casada.
A protagonista de “A fuga” tornou-se um lugar-comum nos primeiros contos de Clarice Lispector. É a mulher insatisfeita que, mesmo que opte pela independência, pela liberdade, não sabe muito bem o que fazer com elas e acaba retornando a rotina de sempre. Em às vezes, a mesma “mulher cansada” aparece como uma solteirona solitária. Ou como uma velha que se arrepende de não ter escolhido determinado caminho muitos anos atrás. A mulher das primeiras experiências de Clarice com a ficção está sempre diante da possibilidade de um novo caminho. Mas não tem coragem de segui-lo. Ou percebe que as mudanças talvez só aconteçam mesmo em caminhos internos. Com um passado frustrado e um presente medíocre, ela perde-se nos labirintos do futuro. E caminha, implacavelmente, para um final nada feliz.
Relido hoje, é impressionante como “A fuga” já anunciava a mulher- e escritora – que Clarice se tornaria e, principalmente, como ele desenhava com previsão a insatisfação da mulher com o papel que a sociedade da primeira metade do século lhe reservava. Essa mulher só viria à tona quase duas décadas depois. Mas já existe nos primeiros contos d Clarice, aqueles escritos no comecinho dos anos 1940, certamente maturados no fim dos anos 1930. A mulher de Clarice Lispector estava sempre imaginando que hoje, finalmente hoje, alguma coisa diferente iria lhe acontecer. Mas, ao fim de cada um dos contos – às vezes, a solução para “a mulher com medo” era o suicídio -, descobria-se que não bastava querer, esperar, imaginar. “A mulher cansada” de Clarice tinha que agir.
Postado por Irla
Puxa vida... Parece que Clarice entende a todas... nós!
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