quarta-feira, 9 de junho de 2010

Clarice na cabeceira

A leitura dos textos, contos, romances, enfim dos livros de Clarice Lispector nos fez encontrar a nós mesmas. Se você não tiver paciência para ler muito basta apenas uma frase para transformar o seu mundo.

E essa paixão, que nos toma, pelos escritos de Clarice, impulsiona-nos a vontade de dividir, de ver mais e mais pessoas achando seu eu perdido na rotina e no cotidiano.

Nesse sentido a Editora Rocco foi muito feliz publicando Clarice na cabeceira livro no qual leitores famosos escolhem seus contos preferidos e comentam-nos. Não bastasse isso, a editora doou uma coleção completa de Clarice Lispector para cada uma das bibliotecas indicadas pelos leitores convidados.

Então, com o desejo de vê-los apaixonados pela Clarice, transcreveremos a introdução do livro e os comentários de leitores, famosos, sobre seus contos selecionados.

Apresentamos-lhes “Clarice na cabeceira”

Introdução

Clarice na cabeceira é uma seleção afetiva de 22 contos de Clarice Lispector feita por leitores que se dedicam a criar “instantes de beleza” em seus trabalhos: são escritores, atrizes, cineastras, cantoras, críticos literários e jornalistas. A frase de Guimarães Rosa ecoa no texto que cada leitor convidado escreveu: “Clarice, eu não leio você para a literatura, mas para a vida”. Esta frase tocou tanto a escritora a ponto de ela registrá-la numa crônica em sua coluna no Jornal do Brasil.

Clarice Lispector sempre declarou seu amor por aqueles que tinham paciência de esperá-la através da palavra escrita. Ainda em vida, ela recebeu o carinho dos leitores sob diversas formas. Mas quem é esse personagem chamado leitor? Clarice respondeu: “O personagem leitor é um personagem curioso, estranho. Ao mesmo tempo que inteiramente individual e com reações próprias, é tão terrivelmente ligado ao escritor que na verdade ele, o leitor, é o escritor”.

Desde que Clarice Lispector nos deixou, novas formas de declarar seu amor por ela e por sua obra foram encontradas. Uma legião de fãs cresce a cada ano, são principalmente jovens que fazem de Clarice o seu livro de cabeceira e gostam de registrar essa paixão nos seus diários virtuais na internet. Os números impressionam: no Google há mais de um milhão de entradas para Lispector no mundo todo e cerca de 900 mil em português, 642 mil referências para blogs e 57 mil para fotologs. No Orkut são 150 comunidades associadas ao seu nome, num total de 260 mil pessoas. Alguns títulos dessas comunidades retratam como os leitores se sentem diante da obra de Clarice: “Eu amo Clarice Lispector”, “Clarice Lispector me lê”, “Clarice Lispector fala por mim”, “Clarice Lispector me entende”.

Clarice está no mundo virtual, no cinema, no teatro, na dança, na televisão, na música. Ela continua atravessando as fronteiras e cativando leitores de todos os continentes. É traduzida em línguas mais conhecidas como inglês, francês, italiano, alemão e espanhol, e em línguas raras como croata, coreano, finlandês, sueco, hebraico, grego, tcheco, russo, catalão, turco e japonês. Objeto de inúmeras teses acadêmicas no Brasil e no exterior (onde destaca-se como a autora brasileira mais estudada), ocupa um lugar de destaque numa pesquisa internacional desenvolvida pelo projeto Conexões Itaú Cultural – Mapeamento da Literatura Brasileira: depois de Machado de Assis, seu nome é o mais lembrado pelos tradutores, professores e bibliotecários estrangeiros.

Gregory Rabassa, o renomado tradutor americano de Gabriel García Márquez, Jorge Amado, Mario Vargas Llosa e da própria Clarice, classificou-a como um dos mais influentes escritores brasileiros, descrita como a Kafka da ficção latino-americana. Quando ele fala sobre Clarice, seu comentário não se restringe ao aspecto literário: “Ela era tão bela, fiquei chocado ao encontrar uma pessoa rara que se parecia como Marlene Dietrich e escrevia como Virginia Woolf”. (New York Times, 11 de março de 2005).

Vivendo numa aldeia global, e mesmo assistindo ao surgimento dos livros virtuais, a obra de Clarice Lispector aumenta seu contingente de leitores porque há o companheiro de todas as horas à nossa espera na cabeceira.

Clarice na cabeceira reúne contos de cada um dos livros de sua produção contística: Laços de família (1960), A legião estrangeira (1964), Felicidade Clandestina (1971), A via crucis o corpo (1974), Onde estivestes de noite (1974) e A bela e a fera (1979).

Desde Laços de família, ela apresenta uma nova narrativa dissolvendo os esquemas naturalistas, segundo os quais um conto seria uma história com início, meio e fim. A publicação desta obra se deu no momento em que a escritora retornava ao Brasil, após 16 anos residindo no exterior, ao lado do marido diplomata e dos filhos. Sua volta marcou o reinício de sua trajetória literária, pois seus três primeiros romances datavam da década de 1940 e a publicação de Alguns contos (1952), pelo Ministério da Educação e Saúde – contendo seis contos de Laços de família – não teve nenhuma repercussão. A recepção de Laços de família foi muito bem-sucedida levando a mesma editora que lançou o livro de contos a também publicar no ano seguinte o romance A maça no escuro.

Foram os contos, portanto, que colocaram Clarice Lispector mais próxima dos seus leitores. Isso não significa que desde a estréia do romance Perto do coração selvagem (1943) ela não tenha sido reconhecida como um novo talento da literatura brasileira. No entanto, quando a revista Senhor publicou, no final da década de 1950, contos como A menor mulher do mundo, Feliz Aniversário e A imitação da rosa, a resposta positiva do público foi imediata e despertou o interesse das editoras.
O segundo livro, A legião estrangeira (1964), concomitante com a publicação de A paixão segundo G.H. no mesmo ano, reuniu entre outros, alguns contos publicados na Senhor, mas a sua recepção se expandiu quando o grande público pôde ler alguns deles na coluna de Clarice no Jornal do Brasil, entre 1967-1973.

No início da década de 1970, Felicidade Clandestina (1971) resgata contos de A legião estrangeira e crônicas do Jornal do Brasil. O que é crônica e o que é conto nesse livro? Os gêneros se misturam. Clarice afirmava: “Gênero não me pega mais”. E mais uma vez sua escrita insólita atravessava a nossa literatura tal como previa Alceu Amoroso Lima ao ler O lustre (1946): “Ninguém escreve como ela. Ela não escreve como ninguém”.

Nos últimos livros de contos, Onde estivestes de noite, A via crucis do corpo, e A bela e a fera (este último, um livro póstumo reunindo os primeiros contos datados da década de 1940, além de dois contos inéditos, provavelmente os últimos que escreveu), Clarice continuava experimentando no campo da linguagem, sem fazer concessões, mas agora buscando um modo de dizer mais direto, mais explícito. Segundo alguns críticos, rejeita os artifícios da arte e parece ser ela mesma, indisfarçável aos olhos do leitor.

Clarice na cabeceira torna-se, portanto, um livro singular, onde o leitor convidado pode compartilhar com outros leitores a experiência de ser leitor de Clarice Lispector. Agradecemos a contribuição de todos os leitores participantes deste livro que disseram com amor o nome de Clarice Lispector, fazendo-nos experimentar em sua companhia o delicado da vida.

Entremos, pois, em comunhão, e vamos ao encontro de Clarice.
Amém para todos nós.

Teresa Montero
Doutora em Letras pela PUC-RJ, autora de Eu sou uma pergunta. Uma biografia de Clarice Lispector (Rocco)

Postado por Irla

Um comentário: