terça-feira, 15 de junho de 2010

Menino a bico de pena por Adriana Lisboa

Dando continuidade aos post´s, acerca do livro Clarice na cabeceira, da Editora Rocco, escolhemos o:

CONTO: Menino a bico de pena
DO LIVRO: FELICIDADE CLANDESTINA
APRESENTAÇÃO: Adriana Lisboa

Adriana Lisboa é uma escritora brasileira, autora de nove livros de ficção e integrou várias antologias de contos no Brasil e no exterior.

COMO CONHECER JAMAIS O MENINO. Lá está ele, um ponto no infinito, mas inteiramente atual, feito somente de um agora que já é outro agora. No conto “Menino a bico de pena” Clarice desenha. Não pode ser com carvão. É preciso desenhar o menino com o traço mais fino de todos. Com o traço que, como o próprio menino, seja ainda só atualidade e infinitude. Um traço preciso como a palavra de um mestre zen, que nunca sobra, que nunca falta. E espaçoso em seus limites, ao mesmo tempo, porque só aquilo que sabe ser inteiramente agora pode passear com desenvoltura sobre a vertigem do infinito: esse menino, a bico de pena, antes da domesticação. Antes de virar humano e rombudo, presa do tempo adulto cotidiano. Antes de abrir mão, de uma vez por todas, da sua infinitude, da sua genuína loucura, cooperando - assim como fizeram os outros homens antes dele, e o Deus desses homens também. Por enquanto, o mundo fora do menino é aquilo que está dentro dele: o que ele enxerga (e só existe por isso: porque ele enxerga), o que se firma e o que cambaleia (quando ele se move, é o chão que se move). E o menino, ainda em seu retrato a bico de pena, antes de qualquer destino trágico e de crescer em médico ou carpinteiro, é aquele que mantém a curiosidade diante da fralda molhada ou do pingo de baba: porque o mundo é novo e se aquilata em maravilhas por minuto. Mesmo que ele já saiba que não morrer é mãe, e que é preciso saber chorar por isso.

Postado por Irla

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